Santa Casa usa 531 bolsas de sangue para salvar mãe, com doença rara, na hora do parto

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*Texto de Aline Miranda (Santa Casa) e Anna Cristina Campos (Hemopa).

Este ano, centenas de doadores de sangue anônimos salvaram a vida da auxiliar administrativa Thaís Cristina Sousa, de 35 anos, e do filho dela, Saulo Gabriel. Em um fluxo de ponta a ponta muitas vezes incompreendido pela sociedade, mãe e bebê dão nome e rosto à importância da doação de sangue no sistema público de Saúde. 

“Não sou uma gata de sete vidas. Sou uma onça. Lutei pela minha vida e meu filho lutou pela vida dele. Tivemos muita ajuda, e uma ajuda magnífica, para vencer. Obrigada, Deus. Obrigada a quem doa sangue. Obrigada, Santa Casa. Obrigada, Hemopa”, emocionou-se a jovem. 

Internada na Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará (FSCMP) por 43 dias no total, sendo 30 deles na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), em estado gravíssimo, a moradora do bairro do Guamá, em Belém, superou uma crise de Síndrome Púrpura Trombocitopênica Trombótica (PTT), doença hematológica rara e potencialmente complicadora, e deu à luz o caçula temporão em uma cesariana de emergência, aos sete meses de gestação.

Do final de julho a início de setembro, o tratamento considerado de alta complexidade, mobilizou uma força-tarefa especial da Agência Transfusional da Santa Casa em parceria com a Fundação Centro de Hemoterapia e Hematologia do Pará (Hemopa). 

No pré e pós parto, a paciente recebeu 531 bolsas de sangue, entre completo e plasma separado. Os procedimentos de transfusão comum em volume relevante e de plasmaférese exigem acionamento extraordinário de estoque, equipe multiprofissional superespecializada e maquinário específico. 

O banco de sangue precisa estar sempre abastecido para atender também ocorrências como o da Thais, emergenciais.

“Foi um milagre. Um milagre da ciência e do SUS (Sistema Único de Saúde). São duas instituições públicas que uniram esforços e competências para resolver um caso difícil. Tudo funcionou muito bem: desde a ginecologia e obstetrícia até a Agência Transfusional”, resume a gerente da Agência Transfusional da Santa Casa, a farmacêutica Márcia Basílio, especialista em Saúde Pública e Mestra em Agentes Infecciosos e Parasitários.

Dra. Patrícia Arruda

De acordo com a médica do Trabalho, Patrícia Arruda, integrante da equipe de plasmaférese terapêutica do Hemopa, a plasmaférese é a terapia de primeira linha para a PTT. “Visa a retirar o plasma da paciente, onde estão os anticorpos que estão causando a doença, e devolve um plasma humano saudável. Uma renovação. A gente retira o plasma dela e coloca o plasma do doador”, detalha, com ênfase na importância de doação voluntária de sangue. 

“Esse tipo de tratamento, quando a gente precisa fazer a reposição com plasma humano, geralmente, é uma quantidade muito grande de plasma exigida. Se não houver voluntários disponíveis e sensibilizados para a doação no Hemopa, não teríamos como proceder esse tipo de tratamento, por isso a doação de sangue é muito importante. Salva vidas”, explicou a doutora Patrícia Arruda. 

Ciência e Fé

No processo de recuperação, Thaís enfrentou, ademais, hipertensão arterial, infecção e uma segunda cirurgia, de laparatomia exploratória, para debelar uma hemorragia interna. 

Beneficiou-se, ainda, de quatro doses de um medicamento de custo diferenciado, fornecido de forma direta pela Santa Casa. Cada dose do medicamento, cujo princípio é anticorpo monoclonal, chega a custar R$ 12 mil no mercado brasileiro atual.

Na última sexta-feira (3), Thaís Costa saiu de alta hospitalar e pôde reencontrar a família: não só o recém-nascido, como o marido, o motorista de aplicativo Deyvesson Saulo de Sousa, 37, e o filho mais velho, o estudante pré-universitário Guilherme, 18. 

Depois da cesariana, realizada em 2 de agosto, Thaís fora direto para a UTI, para continuar o controle da doença PTT, enquanto Saulo seguira para cuidados semi-intensivos, devido à prematuridade. Com uma semana, Saulo fora liberado para casa, e Thaís continuara na Santa Casa, sob a vigília e as orações da própria mãe, a professora aposentada Maria do Socorro Costa, 61.    

“Sou católica e ela é evangélica, porém sabemos que rezamos para um só Deus, e a misericórdia Dele nos trouxe para este momento, em que a Santa Casa e o Hemopa fizeram de tudo para a nossa família. Não falo somente dos médicos: desde o pessoal da limpeza, desde a tecnologia empregada, tudo conspirou a favor”, relata a mãe de Thaís e avó de Saulo Gabriel, com os olhos marejados.

Sangue Salva Vidas

Thaís foi diagnosticada com PTT em 2016, depois de uma manifestação aguda e de uma isquemia cerebral.  Passou mais de um mês no Hospital Jean Bitar, também do Governo do Estado, onde precisou ser entubada e traqueostomizada. A partir de então, começou a ser acompanhada pelo Hemopa.

Dr. Daniel Lima

Em 2019, sofreu uma gravidez ectópica, que é quando o óvulo fertilizado implanta-se fora do útero, com quadro de hemorragia, ao que foi atendida na Emergência da Santa Casa.

Em 2020, engravidou de novo, agora de Saulo Gabriel. Acabou encaminhada pelo Hemopa para pré-natal no Ambulatório da Mulher, na Santa Casa, setor referência de acompanhamento de gravidezes de médio e alto riscos. 

Com sete meses de gestação, reconheceu manchas roxas nas pernas como sintomas de Púrpura e, por orientação do Hemopa, dirigiu-se na mesma hora para o serviço de obstetrícia da Santa Casa.  

“Era uma situação clínica delicada. Com plaquetas baixíssimas e formação de trombos por causa da doença PTT, havia risco de perda gestacional, risco de morte para a gestante e risco de agudização com sequelas para ambos. A questão de expertise sobre o protocolo e de capacidade de atendimento em urgência foi determinante”, conta o médico hematologista e hemoterapeuta responsável, Daniel Lima, servidor tanto da Santa Casa, quanto do Hemopa.

Agência Transfusional 

A Agência Transfusional da Santa Casa reúne 32 profissionais – de médicos hematologistas a assistentes administrativos. Com o apoio do Hemopa, providencia, em média, mais de 500 transfusões por mês. O público predominante é de grávidas e bebês. 

“Estamos a postos 24h. Conseguimos responder às demandas, seja em que horário for. A missão é sempre de equipe”, refere a gerente Márcia Basílio. 

Quanto ao Hemopa, é o único lugar no Pará que dispõe de tratamento agudo e crônico para portadores de doenças hematológicas benignas. De acordo com a médica hematologista e hemoterapeuta Ana Luiza Meireles, daquela Instituição, o SUS, nesses casos, decide o futuro: “Para algumas patologias, não tem como a gente ver uma boa evolução ou um desfecho positivo se a gente não dispuser desse tratamento a pronto uso. Algumas doenças hematológicas, como no caso da Thais, requerem um pronto-atendimento porque o risco iminente de evolução ruim é muito alto”, reforça.

A profissional particulariza que a doença de Thaís é grave: “Dentro das doenças hematológicas, é uma das urgências. Faz parte do grupo das anemias hemolíticas microangiopáticas. Essas doenças são agressivas e com uma morbimortalidade muito alta, caso não seja instituído o atendimento nas primeiras 48 horas da crise”, pontua, classificando a boa relação entre Santa Casa e Hemopa como “fundamental”.

O Hemopa acompanha cerca 15 mil pacientes hematológicos de todo o estado do Pará, no âmbito da Política Nacional de Humanização (PNH). Os pacientes e a família participam de tratamento multifatorial: consultório, transfusões, profilaxias, fisioterapia, odontologia, psicologia e medicamentos. Os pacientes precisam vir encaminhados por uma Unidade Básica de Saúde (UBS).  

Doação

Para doar sangue especificamente para a Santa Casa, o doador deve informar o código “158” ao Hemopa no momento da doação, em qualquer unidade.